A Teia Invisível: Um Estudo sobre a Fragilidade das Relações Humanas e a Formação da Identidade no Mundo Contemporâneo - Ketty Williams
- Ketty Williams

- 11 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de out.

Há alguns meses, decidi realizar uma pesquisa pessoal sobre as relações humanas. Construí, por assim dizer, uma teia de contatos e interações com pessoas de diferentes idades e personalidades. O objetivo era simples: observar. Observei suas reações, gestos e palavras, tentando compreender o que as move, o que as faz sentir e, sobretudo, o que as leva a agir como agem. O resultado foi mais perturbador do que esperava, e talvez mais revelador do que eu gostaria.
Na primeira análise, observei uma criança de oito anos. Brinquei, fiz perguntas, e aos poucos percebi que seu comportamento, vocabulário e até suas preferências não nasciam dela mesma, mas de um espelho digital. Sua identidade estava sendo moldada por youtubers, influenciadores e músicas da moda, Ana Castela, Zé Felipe, e tantos outros nomes que representam, mais do que artistas, o reflexo de uma cultura de consumo emocional.
Quando perguntei sobre seu livro favorito, ela respondeu “Bobby Goods”, um nome que me fez perceber a ausência de referência literária, simbólica ou criativa própria. A criança não falava por si, mas por ecos da internet. Ela não estava sendo educada por seus pais, mas por algoritmos. O gesto banal de um pai entregar o celular para silenciar o choro do filho é, hoje, um ritual de transferência de poder: o poder de educar é cedido à máquina. “Toma o celular da mamãe” é, na verdade, “toma o novo tutor da tua mente”. Essa criança não cresce entre afetos, mas entre códigos. E então me perguntei: que tipo de ser humano nascerá dessa geração? Quem falará por eles quando forem adultos, se desde a infância sua voz foi substituída por vozes digitais?
O segundo indivíduo que analisei tinha 24 anos, minha idade. Um homem prisioneiro de sua própria sobrevivência. Saía para o trabalho às sete da manhã, voltava às seis da tarde, repetindo o ciclo com precisão mecânica. Sua vida parecia um eco daquilo que Nietzsche chamaria de “vida reativa”, aquela em que o homem não cria, apenas responde. Ele não vivia, apenas funcionava. Seu maior medo era a solidão, mas sua busca por companhia não era fruto de amor genuíno, e sim de uma carência emocional alimentada pela exaustão. Precisava de alguém que o tirasse, ainda que por instantes, da engrenagem que o transformara em autômato. Em sua rotina, percebi o mesmo vazio que Zygmunt Bauman descreve como “liquidez das relações”, conexões que aliviam, mas não preenchem.
O terceiro indivíduo tinha quarenta anos. Este, ao contrário, parecia completo. Conversar com ele foi como encontrar uma mente que resistiu ao colapso digital. Ele me contou sua história, trabalhou, sofreu, amadureceu e aprendeu a se bastar. Tinha uma casa, um companheiro que o amava e, sobretudo, uma mente estável, sólida, como se tivesse atravessado a tempestade do tempo e aprendido a permanecer de pé. Não se deixou influenciar por minhas perguntas nem pelas correntes do mundo. Diante dele, percebi o contraste com a criança, um ser humano moldado pela experiência, não pelo algoritmo. Um indivíduo que viveu a dor e, através dela, conquistou a autenticidade, aquilo que Sartre via como o ápice da existência humana: a responsabilidade de ser quem se é.
E então, ao comparar o começo e o fim dessa linha, da infância ao adulto, percebi uma verdade inquietante: o futuro da humanidade está sendo programado. As novas gerações estão sendo criadas por códigos e vozes que não conhecem, moldadas para desejar o que lhes é dito, e não o que realmente buscam. A liberdade que acreditamos possuir é, muitas vezes, apenas a ilusão de uma escolha já prevista por sistemas invisíveis.
E quanto a mim? Continuo me observando e me moldando, tentando construir uma identidade que não seja produto do tempo, mas fruto da minha própria vontade. No fundo, talvez minha pesquisa tenha revelado menos sobre os outros, e mais sobre o que ainda resta de humano em mim.
Talvez seja isso o que ainda nos separa das máquinas: a dúvida. Elas funcionam, nós hesitamos. Elas seguem instruções, nós questionamos o sentido. E enquanto houver em mim esse incômodo silencioso que me faz refletir, buscar e me contradizer, ainda serei humana. Porque, como dizia Camus, “o verdadeiro pensamento nasce do espanto”, e talvez o espanto diante do que nos tornamos seja o primeiro passo para voltar a ser o que éramos.
Por Ketty Williams







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