A Fábula do Coelho e da Raposa
- Ketty Williams

- 5 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 22 de out.

Havia, entre os véus da floresta eterna, um coelho branco como a lua e de coração puro como a nascente de um rio. Chamava-se Luar. Ele era gentil até com as pedras do caminho, e seu olhar carregava uma ternura que fazia até os galhos mais secos florescerem por um instante.
Certo dia, em uma clareira banhada de névoa, Luar encontrou a Raposa Carmesim — uma criatura de olhos dourados e passos silenciosos como a culpa.
Ela era bela, astuta, e o mundo a temia. Mas Luar não.
— Por que não corres de mim? — perguntou ela, confusa.
— Porque vejo em ti algo que nem tu mesma enxerga — respondeu Luar. — Vejo feridas sob o pelo, e dor onde todos só veem dentes.
A Raposa sorriu. Pela primeira vez, não com os lábios, mas com os olhos. E assim nasceu um amor estranho. Ela, feita de caça e segredo. Ele, feito de calma e entrega. Um amor improvável, mas sincero.
Luar oferecia flores. A Raposa, silêncios. Luar partilhava sonhos. A Raposa, cicatrizes.
Mas quanto mais Luar o amava, mais a Raposa sangrava por dentro. Pois ele era luz onde ela era sombra, e quanto mais ela o desejava, mais se via refletida na pureza que não possuía. E a inveja — irmã do amor, nascida da comparação — começou a crescer em seu coração. “Por que ele é assim e eu não?” sussurrava sua mente quando Luar dormia ao seu lado, sonhando coisas belas demais para ela compreender.
Um dia, ao cair da tarde, quando as folhas dançavam como espíritos no ar, a Raposa levou o Coelho para o lugar mais alto da floresta.
— Quero te mostrar algo — disse ela.
Luar confiou. Sempre confiava.
E lá, onde o céu parecia ao alcance dos olhos, ela o fitou por um longo tempo. Em silêncio.
— Por que estás triste? — perguntou ele, oferecendo-lhe um sorriso.
A Raposa tremeu. Amava-o. Mais do que podia suportar. E também o odiava, mais do que podia admitir.
Então, antes que sua culpa a impedisse, fincou os dentes no pescoço de Luar.
O mundo silenciou. O sangue manchou a neve. E ela chorou. Chorou como quem perde a si mesma.
O corpo de Luar jazia imóvel, mas seu semblante... ainda era de paz. No fundo, ele sabia. Ele sempre soube. E perdoou.
Desde aquele dia, a Raposa vaga pela floresta. Nunca mais sorriu. Nunca mais caçou. Tornou-se lenda entre os ventos: “a que matou o que mais amava”. Pois há amores que curam. E há amores que, espelhando o que falta, se tornam espinhos na carne da alma. Alguns corações não suportam a luz. E por isso a devoram.
Moral?
Nem todo amor é abrigo. Às vezes, o amor é um espelho que nos obriga a encarar quem realmente somos. E nem todos suportam o reflexo.







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